O diretor da Apae Belo Horizonte, Idelino Barbosa, mostra tecnologias assistivas usadas na instituição - Foto: Sarah Torres
Pouco mais de seis milhões de mineiros são pessoas com deficiência, conforme dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse contingente equivale a 30% da população de Minas Gerais e forma um segmento com diversas demandas, dentre elas educação de qualidade, que atenda cada pessoa conforme suas necessidades. Garantir a inclusão social dessas pessoas é um grande desafio, não só para o poder público, mas também para educadores e para as próprias famílias, que querem o direito de escolher onde seus filhos vão estudar: em escolas comuns ou em instituições especializadas.
A educação de pessoas com deficiência é um direito assegurado pelo Plano Nacional de Educação (PNE), contido na Lei Federal 13.005, de 2014. Caso a pessoa com deficiência deseje estudar numa escola estadual comum, isso é possível graças às ações inclusivas que fazem parte do projeto educacional do Estado. Das 3.671 escolas estaduais, 2.861 atendem 25.236 estudantes com deficiência, sendo 24.376 no ensino regular e 860 na educação para jovens e adultos. Os dados são do Censo Escolar 2013.
A Apae é uma instituição sem fins lucrativos com 60 anos de experiência no atendimento a pessoas com deficiência - Foto: Sarah Torres
No entanto, nem todas as pessoas com deficiência estudam em escolas comuns porque muitas famílias, especialmente aquelas com crianças com deficiência intelectual e múltipla (deficiência intelectual associada a outras deficiências motoras), optam pelas escolas especiais. Nessas instituições, o foco é o bem estar e o alcance da independência em tarefas do dia a dia por parte dos alunos. A rede estadual conta com 30 escolas especiais que atendem 4.359 alunos.Também há escolas especiais na rede particular, mas a grande referência da área é a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), instituição sem fins lucrativos com 60 anos de experiência no atendimento a pessoas com deficiência.
As escolas estaduais comuns atendem principalmente alunos com deficiências físicas, visuais, auditivas e algumas deficiências cognitivas leves. Conforme frisa a diretora de Educação Especial da Secretaria de Estado de Educação (SEE), Ana Regina de Carvalho, a família é que decide. "A matrícula está aberta a todas as crianças na faixa etária própria. Algumas escolas estão mais bem adaptadas do ponto de vista arquitetônico e temos uma demanda maior que a oferta, então pode haver um encaminhamento para outra escola. Mas são os pais que decidem: se eles quiserem que a criança estude num lugar, temos de providenciar tudo para que isso aconteça”, explica.
As adaptações incluem atendimento educacional especializado com profissionais capacitados, como o professor de apoio à comunicação, linguagens e tecnologias assistivas, o intérprete da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras) e o guia-intérprete. Em salas de recursos, que dispõem de uma série de instrumentos, é feita a complementação do atendimento dos alunos. Além disso, a política de inclusão envolve também a acessibilidade arquitetônica e tecnológica, a capacitação de educadores e a formação de redes de apoio.
A diretora Ana Regina de Carvalho reforça que cada vez mais famílias estão optando por matricular seus filhos com deficiência nas escolas comuns. “Mas nós não abolimos as escolas especiais, por entendermos que há demanda por elas. Temos um plano de atendimento anual para cada aluno e temos conhecimento das demandas individuais”, explica.
Inclusão social ainda é desafio
Segundo Liza Prado, a inclusão social de pessoas com deficiência é um desafio -Foto: Ricardo Barbosa
A inclusão social das pessoas com deficiência ainda é um desafio, especialmente com relação à educação. A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da ALMG, deputada Liza Prado (Pros), ressalta que a inclusão passa não apenas pelo ensino em si, mas também por outras atividades, como o transporte especializado da casa à escola e a participação em atividades esportivas, culturais e de lazer. “A inclusão passa necessariamente por ações que garantam o acesso e a permanência da pessoa com deficiência na escola. Quando essa inclusão é bem sucedida, a socialização acontece com facilidade. Infelizmente os padrões de nossos modelos de educação ainda não contribuem para isso”, afirma.
O diretor da Apae Belo Horizonte, Idelino Barbosa, acredita que ainda é preciso avançar muito, pois mesmo as crianças sem nenhuma deficiência enfrentam diversos desafios. "As escolas não têm propostas pedagógicas para a inclusão porque esta é uma questão de atitude. Os profissionais não acreditam na capacidade das pessoas com deficiência, e a escola comum não oferece um atendimento individualizado”, afirma.
Com vários anos de experiência na área da educação especial, a professora Dóris Costa frisa a necessidade de mudança de mentalidade de profissionais da educação e alunos. “É preciso valorizar o professor e investir na sua formação; reformular a estrutura da escola para que ela seja capaz de oferecer condições de acessibilidade aos alunos; e promover tecnologias assistivas, além de adaptações ambientais e arquitetônicas que permitam o acesso de alunos com problemas físicos”, destaca.
A deputada Liza Prado acredita que a aprovação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (
Projeto de Lei 4.254/13, de sua autoria, em tramitação na ALMG) poderia garantir vários direitos para esse segmento da população. “Ele assegura os direitos à escola bilíngue; à escolarização em turno diferenciado; ao atendimento educacional especializado, para desenvolvimento de complementação curricular; à adaptação de provas; à educação profissional; e à admissão da pessoa com deficiência como estagiário e aprendiz em empresas”, exemplifica.
ALMG garante benefícios a cidadãos com deficiência
Os direitos da pessoa com deficiência nunca deixaram de ser pauta nas discussões realizadas na ALMG. Em maio de 2011, foi instalada a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, para discutir e fiscalizar políticas públicas voltadas para esse segmento da população. Além disso, na 17ª Legislatura, foram aprovados 25 projetos que se transformaram em leis que trouxeram benefícios para as pessoas com deficiência.
Escola estadual é exemplo de inclusão
Situada no bairro Nova Suíça, na Capital, a Escola Estadual Maurício Murgel já realizou adaptações para receber alunos com deficiência - Foto: Raíla Melo
A Escola Estadual Maurício Murgel, no bairro Nova Suíça, em Belo Horizonte, é uma das escolas regulares de ensino médio que realizou adaptações para receber alunos com deficiência. De acordo com a diretora Sônia Maria Amaral de Resende, são nove alunos cegos, um com baixa capacidade de visão e 39 surdos. Ao todo, o colégio tem 1.800 alunos nos três turnos. “Fomos uma das escolas polo escolhidas no final da década de 1990 para receber alunos com deficiência. Tivemos oficinas com nossos estudantes para que eles recebessem bem os colegas que estavam chegando", conta a diretora. Segundo ela, todos ganham com esse ambiente de diversidade na escola. "Na matrícula, nem nos preocupamos se o estudante tem deficiência ou não; não fazemos esse tipo de discriminação. Nossas dificuldades são com materiais específicos, mas o relacionamento é sempre marcado pelo respeito”, afirma.
João Paulo Rodrigues dos Santos, de 17 anos, está no 1º ano e estuda na Escola Maurício Murgel desde fevereiro deste ano. Atleta, pratica judô e golbol, um esporte paraolímpico. Ele conta que foi bem aceito na escola estadual, mas na escola municipal do bairro enfrentou diversas dificuldades, principalmente com relação ao braille, sistema de escrita e leitura para cegos. “Fiquei com a escolaridade atrasada porque não havia muitos recursos lá. Mas estou achando aqui muito bom. Tinha a expectativa de que seria difícil, mas foi melhor do que eu esperava”, relata.
A escola possui sala de recursos para alunos com deficiência - Foto: Raíla Melo
Na Escola Estadual Maurício Murgel há uma sala de recursos onde os alunos cegos fazem aulas de reforço do braille e há atendimento para alunos com deficiência auditiva. “Os surdos têm dificuldade com português e redação porque na Linguagem Brasileira de Sinais (Libras) as frases se estruturam com sujeito, verbo e objeto, mas muitos não necessariamente estruturam as frases nessa ordem. Aqui eles são avaliados não pela forma como escrevem, mas sim pela coerência com aquilo que é pedido deles”, conta a professora Jacqueline Bezerra da Silva.
Os estudantes também dispõem de cinco laptops disponibilizados pelo Ministério da Educação com o programa Dosvox, que permite que pessoas cegas utilizem o computador para desempenhar uma série de tarefas, adquirindo independência no estudo e no trabalho. Os notebooks podem ser usados pelos alunos em sala de aula e também em casa, nos fins de semana. A sala de recursos também é equipada com globos, mapas e tabela periódica em braille, além de uma série de tecnologias assistivas desenvolvidas pela própria professora Jacqueline da Silva. “Como eu queria que eles diferenciassem um tipo de átomo de argônio do outro, fiz um com pérolas e cordas e outro com bolinhas de isopor, de tamanhos diferentes, para que eles pudessem, pelo tato, distinguir um do outro”, explica.
O professor Fabrício Resende traduz o conteúdo para os alunos surdos - Foto: Raíla Melo
A escola tem ainda um professor de Libras, Fabrício Camargo Resende, que fica em sala de aula para fazer a tradução do conteúdo para os alunos surdos. Formado em Turismo, ele tem uma boa comunicação com os estudantes, já que, por também ser surdo, sabe de muitas dificuldades que eles enfrentam. “Trabalho na escola há oito anos e gosto de estar aqui porque me sinto importante ao ajudar os alunos a adquirir conhecimento. Sou formado em outra área, mas gosto de dar aula, e me sinto feliz por estar em um ambiente que lhes permite acesso à cultura e ao ensino”, conta.
Potencial - Instituição especializada no atendimento a pessoas com deficiência intelectual e múltipla, a Apae não faz parte da rede estadual de ensino por ser uma organização sem fins lucrativos. Muitos estudantes de lá advêm de escolas comuns. O diretor da Apae Belo Horizonte, Idelino Alves Barbosa Júnior, ressalta que a associação tem prioridades diferentes para seus estudantes. “Muitas vezes a leitura e a escrita não são o que eles precisam, então esse não é o nosso foco. Buscamos outras habilidades, seja aquelas que ajudam na vida cotidiana ou aquelas necessárias no mercado de trabalho. É preciso acreditar nas potencialidades deles e é com isso que nós trabalhamos”, explica.
Por outro lado, a Apae também ministra conteúdos do ensino fundamental até o quinto ano e da educação de jovens e adultos por meio da Escola Sofia Antipoff, que funciona dentro da instituição. Ao final deste ano, serão formadas as primeiras turmas de alunos certificadas pela escola. “Eles sairão daqui com diplomas que lhes dão os mesmos direitos de todos. Aqui temos as mesmas disciplinas do ensino comum, avanço de ciclo e provas, sejam escritas ou adaptadas. Se a pessoa faz o primeiro ano na Apae e vai para a escola comum, não precisa fazer o primeiro ano de novo”, explica Idelino Barbosa.
Para especialistas, escolas especiais e comuns devem coexistir
Para a professora Dóris Costa, a inclusão é o caminho, mas isso não deve implicar a extinção das Apaes - Foto: Raíla Melo
Especialista na educação de pessoas com deficiência e autora de vários livros na área, a professora Dóris Anita Freire Costa acredita que a inclusão seja o caminho, mas que isso não deve implicar a extinção das Apaes ou das escolas especiais. “Seria, no mínimo, uma falta de bom senso excluir instituições com experiência em atender esses estudantes enquanto o nosso sistema regular de ensino, na sua maioria, ainda está longe de atingir o necessário para a inclusão. Para incluir, precisamos do apoio e da parceria dessas instituições”, defende.
Para o diretor da Apae Belo Horizonte, Idelino Barbosa, existem alguns casos de sucesso pontuais, mas nenhuma escola que possa ser chamada de inclusiva no sentido pleno da palavra. “Para que a inclusão aconteça, é preciso que a escola avalie e entenda o aluno, atenda as necessidades dele, tenha um plano de desenvolvimento individualizado e busque incluir a família", afirma. "Precisamos enxergar as potencialidades dos estudantes. Às vezes, a pessoa só consegue mexer um dedo, mas é esse dedo que temos de estimular para que o aluno se comunique com o mundo”, continua.
De acordo com a diretora de Educação Especial da SEE, Ana Regina de Carvalho, o Governo do Estado trabalha para que a inclusão se dê não apenas no desenvolvimento do ensino, mas também na mentalidade dos envolvidos no processo. “Nós nos esforçamos para que alunos e professores sejam orientados no sentido de que a participação dos estudantes com deficiência seja ampla, coletiva e com respeito, evitando dificuldades de convivência”, afirma.
Tramitação do Plano Nacional de Educação gerou polêmica
Idelino Barbosa avalia que o Brasil promoveu a inclusão das pessoas com deficiência de forma radical - Foto: Sarah Torres
Segundo o diretor da Apae Belo Horizonte, Idelino Barbosa, o Brasil foi o único dos signatários da Declaração de Salamanca (resolução das Nações Unidas que trata dos princípios da educação especial) que quis promover a inclusão das pessoas com deficiência de uma forma que ele considera radical. “Somos favoráveis à inclusão, mas ela não pode significar o fim das escolas especiais”, defende. O educador se refere à tramitação do Plano Nacional de Educação ano passado na Câmara dos Deputados e no Senado, marcada por uma série de protestos das Apaes em todo o País.
Dentre as mudanças propostas pelo texto, estavam medidas que foram entendidas pelas Apaes como prejudiciais à continuidade de seu funcionamento. De acordo com o diretor da Apae, o relator do Projeto de Lei Complementar 103/12, que originou o PNE, o senador José Pimentel (PT-CE), defendia fixar 2016 como o ano em que as matrículas da educação especial não pública deixariam de ser consideradas para fins de repasse do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Também preocupou as Apaes uma sugestão de mudança no texto original do projeto que poderia significar a redução de recursos federais para essas instituições. “As Apaes entenderam que essa modificação poderia servir de justificativa legal para a extinção total das escolas especiais", conta a professora Dóris Costa.
Mas a pressão das instituições fez com que a versão final do PNE ficasse assim: "universalizar, para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados”.
Em novembro de 2013, um ato público em Sete Lagoas marcou o apoio às Apaes - Arquivo/ALMG - Foto: Alair Vieira
Defesa das Apaes - Um dos atos de protesto contrários às mudanças previstas pelo PNE aconteceu em novembro do ano passado em Sete Lagoas (Região Central do Estado) por iniciativa da ALMG. Na ocasião, o presidente da ALMG, deputado Dinis Pinheiro, considerou a proposta que poderia significar o fim dos repasses do Fundeb às Apaes como “uma articulação nefasta”. "A Apae é uma obra humanitária, que muda a vida das famílias e dá dignidade às pessoas com deficiência. Nós não poderíamos assistir a essa medida agressiva de braços cruzados, sem fazer nada. Felizmente a Assembleia de Minas se mobilizou, juntamente com outros atores políticos, e nós conseguimos acabar com essa ameaça", ressalta.
“O relatório atesta que as Apaes em Minas Gerais são sinônimo de garantia dos direitos e de inclusão da pessoa com deficiência. Nosso desafio, desde o início desse trabalho, foi aproximar o poder público das Apaes. Tenho certeza de que demos um passo significativo nesse sentido”, destaca o presidente da Comissão de Educação, deputado Duarte Bechir (PSD).