Caminhoneiros são contra proposta de mudança na legislação, que poderia anular conquistas da categoria
A aplicação da Lei Federal 12.619, de 2012, mais conhecida como a Lei do Descanso, que dispõe sobre o exercício da profissão de motorista, foi amplamente defendida por autoridades e representantes da categoria durante um debate público promovido nesta sexta-feira (21/3/14) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A norma garante ao motorista profissional 30 minutos de descanso a cada quatro horas de direção, uma hora de almoço, 11 horas de intervalo a cada 24 horas trabalhadas, além de repouso semanal remunerado.
Motoristas temem mudança na lei
Representantes dos motoristas e autoridades lembraram que apesar dos ganhos trazidos pela Lei do Descanso, a norma corre o risco de ser modificada e até mesmo revogada. Isso porque uma comissão especial formada na Câmara dos Deputados (Cemotor) apresentou o Projeto de Lei (PL) 5.943/13, que, na avaliação da categoria, propõe mudanças que deturpariam a lei em vigor e que não representam os interesses da classe de motoristas.
Segundo o presidente da Federação de Trabalhadores Rodoviários de São Paulo, Valdir de Souza Pestana, um grupo de parlamentares na Câmara dos Deputados, ligados ao agronegócio, quer acabar com a Lei do Descanso e pressiona para que o projeto proposto pela comissão tramite em regime de urgência.
Por sua vez, a deputada Liza Prado (Pros) lembrou que o direito de descanso, previsto pela lei, foi uma conquista. Ela defendeu a construção de postos adequados de descanso nas estradas para os motoristas, bem como a definição de condições que acabem com as dificuldades ainda existentes, especialmente no caso dos motoristas autônomos. Para ela, todas essas questões podem ser resolvidas, não sendo necessária a revogação da Lei 12.619.
Para o presidente da Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Minas Gerais (Fettrominas), Antônio da Costa Miranda, uma mudança na norma representaria um retrocesso. Na sua avaliação, mesmo não sendo aplicada de forma plena, a lei já tem comprovada estatisticamente sua eficácia.
Segundo o presidente da Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Paraná (Fettropar), Epitácio Antônio dos Santos, desde a aprovação da Lei 12.619 houve uma redução de 1.500 mortes nas rodovias federais do País. Ao falar sobre o projeto apresentado pela Cemotor, ele criticou as mudanças propostas, entre elas a de que o descanso de 30 minutos do motorista seja feito a cada 5h30/6 horas de direção, e não a cada 4 horas, como prevê a lei atual.
Empresariado não quer revogação da lei
O presidente da Federação das Empresas de Transportes de Carga de Minas Gerais, Vander Francisco Costa, afirmou que os empresários de transporte não querem a revogação da lei, apesar de defenderem algumas melhorias na norma, entre elas a recuperação dos pontos antes previstos pela lei e que foram vetados pela presidente Dilma Rousseff.
A advogada Anna Carolina Masseo de Andrade, representante da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros de Minas Gerais, disse que a lei trouxe muitos avanços para a categoria. No entanto, ela defendeu que os prazos fixados pela lei para descanso e almoço não sejam aplicados para os motoristas de ônibus urbano, devido às peculiaridades da categoria. Ela defendeu que a negociação livre entre a classe patronal e o empregado volte a ser permitida, de forma que esse intervalo possa ser reduzido.
Motoristas estão expostos ao perigo
De acordo com o auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego, Adolfo Roberto Moreira Santos, desde 2005 a categoria de empregados que mais morre em acidentes de trabalho é o motorista profissional e, segundo ele, esse número é crescente. Ele ainda alertou que a situação se agrava ao se considerar que, nesta categoria, os trabalhadores informais e autônomos ainda são a maioria.
Segundo o auditor, um grupo de fiscalização estruturado pelo Ministério do Trabalho constatou que, antes da Lei 12.619, foram verificadas milhares de irregularidades em grandes empresas transportadoras, entre as quais contratações precárias, especialmente dos autônomos, formas de pagamento cruéis e inexistência do controle da jornada de trabalho.
Na sua avaliação, a da Lei do Descanso trouxe dois pontos fundamentais para o trabalhador: o controle da jornada de trabalho do motorista e a proibição do pagamento de remuneração ou comissão que estimule a pessoa a descumprir a lei. Apesar disso, ele considerou que a aplicação da lei ainda sofre resistência das empresas e que a fiscalização é difícil. O auditor ainda mostrou que desde 2009 a maioria dos acidentes teve a questão da jornada de trabalho como fator causal fundamental.
O comandante da Polícia Militar Rodoviária, major Cássio Eduardo Soares Fernandes, afirmou que a instituição apoia toda legislação que tenha como objetivo a preservação da vida do motorista. Ele citou dois casos que comprovam como o motorista submetido a um excesso de trabalho pode cometer infrações de trânsito.
No primeiro acidente, na MG-290, um caminhoneiro fez uma ultrapassagem em local proibido, colidiu com um veículo e causou a morte de três pessoas. O motorista declarou que estava sob o efeito de medicação porque tinha que cumprir o prazo para entrega da carga. No segundo caso, um motorista de ônibus no Anel Rodoviário conduzia o veículo fazendo zig-zag na pista, pois estava dirigindo por mais de 15 horas.
O policial ainda disse que a abordagem ao motorista deve ser feita em locais apropriados, que ofereçam condições para o descanso do motorista.
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