sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Dia da Consciência Negra

20/11/2015 07h36 - Atualizado em 20/11/2015 07h36

Empreendedores negros focam em potencial do mercado afro no Brasil

50% dos empresários brasileiros são negros, segundo PNAD 2013.
Afroempreendedores usam experiências próprias para criação de negócios.

Larissa Santos*Do G1, em São Paulo
As irmãs Shirley e Sheila criaram o Makeda Cosméticos porque perceberam a dificuldade de se encontrar produtos para cabelos crespos e cacheados (Foto: Divulgação)As irmãs Shirley e Sheila criaram o Makeda Cosméticos porque perceberam a dificuldade de se encontrar produtos para cabelos crespos e cacheados (Foto: Divulgação)
O mercado profissional tem ganhado cada vez mais empreendedores negros e muitos deles preferem começar apostando em um público que já conhecem bem: os afrodescendentes. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios de 2013 (PNAD), das 23,5 milhões de pessoas donas de negócios no Brasil, 50% se declaram pretas ou pardas. O número aumentou 6% em comparação com 2003.
Foi assim com a Sheila Makeda e sua irmã Shirley Leela. A mãe delas é cabelereira há 20 anos e ensinou para as filhas como manter um cabelo bem cuidado. Com os ensinamentos, as irmãs decidiram virar sócias e abrir um salão de beleza. Depois de 12 anos, mudaram o foco do negócio. “Fui atender minhas clientes em domicílio e comecei a perceber a dificuldade que elas tinham para encontrar cosméticos”, afirma Sheila.
[Comecei a] gostar do meu cabelo como ele era e de assumir minha coroa"
Sheila Makeda
empresária
Ela percebeu que suas clientes de cabelos crespos e cacheados, de maioria negra, usavam diversos produtos porque não conseguiam encontrar um único que fosse ideal. Para ajudá-las, Sheila começou a procurar produtos em perfumarias para que elas testassem. “Junto com isso eu tive uma descoberta particular também, de gostar do meu cabelo como ele era e de assumir meus cabelos crespos, minha coroa, como chamamos”, relembra.
“A partir disso, eu comecei a trazer para as clientes minha história de identidade e falar para elas 'vamos deixar esse cabelo natural'. E elas perguntavam 'mas o que eu uso?'”, conta Sheila. Foi quando ela identificou a oportunidade de montar uma linha de produtos específicos para cabelos crespos e cacheados. Com a ajuda da irmã, que já tinha experiência em desenvolvimento de cosméticos, Sheila fez testes por um ano até que conseguiu lançar o primeiro produto. Três anos depois, aMakeda Cosméticos já tem uma linha com 11 produtos, todos criados pelas duas irmãs.
A empresa fica no mesmo lugar do salão anterior, na Zona Leste de São Paulo, e conta com mais cinco funcionários, incluindo a mãe das empreendedoras. O negócio hoje abrange todos os públicos. Sheila e Shirley também trabalham em um projeto de comercialização dos cosméticos com distribuidores na BahiaRondônia e Angola, além de terem e-commerce. “A gente foi acostumada a achar que só química resolve nosso cabelo e a nossa ideia é passar que com um bom produto você consegue ter o cabelo bem tratado”, afirma Sheila.
Cynthia Mariah (Foto: Reprodução/Instagram/Cynthia Mariah)
Afroempreendedores
O salão da Sheila e sua irmã faz parte do Projeto Brasil Afroempreendedor, uma iniciativa do Sebrae em conjunto com o Instituto Adolpho Bauer (IBA), o Coletivo de Empresários e Empreendedores Afro-brasileiros de São Paulo (Ceabra/SP) e a Associação Nacional dos Coletivos de Empresários e Empreendedores Afro-brasileiros (Anceabra).
“Esse projeto é uma experiência para se construir uma política pública de fortalecimento do afroempreendedorismo no Brasil”, afirma Adilton de Paula, coordenador nacional do projeto. A proposta é incentivar micros e pequenos empresários negros a tirarem seus negócios do papel ou da informalidade, dando orientação e qualificação para eles, através de consultoria e cursos.
O Projeto Brasil Empreendedor é desenvolvido em nove estados e conta com mais de 1.500 participantes. “Ainda há um olhar enviesado na sociedade que pensa que o negro não pode ocupar tal lugar ou ser empresário. Nós pensamos que pode sim e isso é um elemento fundamental para fortalecer a identidade da comunidade negra”, explica Adilton.
Dados processados pelo Sebrae a partir da PNAD 2013 revelam a distinção entre empresários negros e brancos. Enquanto 78% dos empreendedores declarados brancos são empregadores, entre os negros o número corresponde a 9%. Os demais (91%) são classificados como empresários por conta própria – aqueles que trabalham sozinhos ou com sócio, mas não contam com empregados remunerados.
Ainda há um olhar enviesado que pensa que o negro não pode ser empresário. Nós pensamos que pode sim"
Adilton de Paula
Projeto Brasil Afroempreendedor
Um exemplo desse tipo de empresário é a Cynthia Mariah, que criou um ateliê de roupascom o mesmo nome. “Primeiramente, comecei a fazer pensando em peças para mim, porque eu não achava coisas do jeito que eu gostava, faltava colorido e algo diferente”, conta a empresária.
Desde 2004 ela começou a costurar suas próprias roupas. Quando caíram no gosto das amigas, Cynthia decidiu começar a vender as peças, que são todas únicas e com temas afros. Em 2013, ela montou o ateliê dentro de sua própria casa. Lá ela também dá aulas de corte e costura artesanal e desenho de moda. “[Eu busco] a profissionalização do afroempreendedor porque muitos trabalham com moda afro, mas poucos têm o conhecimento de moda em si”, explica Cynthia.
A maioria dos clientes do ateliê são mulheres negras, tanto para as aulas como para a compra das peças. A empresária acredita que o reconhecimento da identidade negra tem fomentado esse mercado. “Desde 2010 o Censo já apontou que os negros se assumiam mais e isso deu uma melhorada no mercado, as pessoas buscaram mais esses produtos [com tema afro]”, afirma.
Empresárias de sucesso
Se os empreendedores negros sentem dificuldade de se estabelecerem hoje em dia, há 15 anos atrás a situação era menos favorável. Foi nessa época que as irmãs Joyce, Lucia e Cristina Venancio criaram a Preta, Pretinha, uma loja especializada em bonecas negras.
Quando crianças, as meninas sentiram falta de bonecas que as representassem e sempre questionaram o porquê de não existirem esses brinquedos no mercado. “Tínhamos um trabalho muito bem feito em casa relacionado a autoestima, minha avó explicava para nós nossa origem, sempre passando um lado positivo e de empoderamento”, conta Joyce Venancio.

Hoje, além da loja na Vila Madalena, em São Paulo, as irmãs também fazem trabalhos sociais com crianças para incentivarem a aceitação da identidade negra. As bonecas também foram diversificadas e ganharam modelos que representam, dentre outras, as meninas orientais, ruivas, indianas, muçulmanas e também as pessoas com deficiência, como síndrome de Down, por exemplo.
Foi a avó Maria Francisca que decidiu fazer uma boneca negra para as netas brincarem. Na vida adulta, depois de tentarem carreira em outras profissões, as irmãs decidiram se juntar para retomar o sonho da infância. “No mercado, as bonecas negras são estereotipadas com olhos grandes, boca vermelha e até nomes pejorativos, como 'nega maluca'. Até as roupas delas eram inferiores, feitas com tecido de chita. Nós não somos isso”, afirma Joyce.
Para Adilton de Paula, a importância dos empreendedores negros na sociedade não traz benefícios só para eles. “A população não negra precisa entender que isso não é uma guerra racial e não há ideias de fomentar o ódio e disputa entre raças, mas fazer com que as oportunidades sejam iguais para todos e que todos possam ajudar a construir o país”.
As irmãs Joyce (esq.), Cristina (dir.) e Lúcia (meio) abriram a loja Preta, Pretinha inspiradas pela avó e por um sonho de infância (Foto: Divulgação)As irmãs Joyce (esq.), Cristina (dir.) e Lúcia (meio) abriram a loja Preta, Pretinha inspiradas pela avó e por um sonho de infância (Foto: Divulgação)
(*Sob supervisão de Laura Naime)
Fonte: G1

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