PROPOSIÇÃO:
PL 3356 2012 - PROJETO DE LEI
PARECER
DE 1º TURNO
Local:
COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA
Publicação:
Diário do Legislativo em 07/11/2012
PARECER
PARA O 1º TURNO DO PROJETO DE LEI Nº 3.356/2012
COMISSÃO
DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA
RELATÓRIO
De autoria da Deputada
Liza Prado, a proposição em epígrafe “dispõe sobre a isenção
de pedágio para os veículos automotores de pessoas com deficiência
no Estado”. Publicado no “Diário do Legislativo” de 3/8/2012,
foi o projeto distribuído às Comissões de Constituição e
Justiça, de Transporte, Comunicação e Obras Públicas e de
Fiscalização Financeira e Orçamentária para receber parecer, nos
termos do art. 188 do Regimento Interno. Cabe a esta Comissão,
preliminarmente, apreciar os aspectos jurídico, constitucional e
legal da matéria, conforme prescreve o art. 102, III, “a”, do
mencionado Regimento.
FUNDAMENTAÇÃO
A proposição em comento
tem por escopo isentar do pagamento do pedágio os veículos
automotores das pessoas com deficiência no Estado. Para tanto,
determina a regulamentação da lei pelo Executivo, que deverá
estabelecer a fonte de custeio, a forma de fiscalização nos postos
de cobrança e a prerrogativa do Executivo para alterar o contrato de
concessão com vistas a garantir o equilíbrio financeiro da avença.
A Constituição da
República dispensou tratamento especial aos portadores de
deficiência, com a finalidade precípua de melhor integrá-los na
sociedade. Assim, o art. 227, II, da Lei Maior prevê a criação de
programas de prevenção e atendimento especializado para os
portadores de deficiência física, sensorial ou mental. No que
concerne primordialmente ao adolescente portador de deficiência, o
mencionado preceptivo constitucional determina que o Estado promoverá
treinamento para o trabalho e a convivência, a facilitação do
acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de
preconceitos e obstáculos arquitetônicos.
O § 3º do art. 227, por
sua vez, estabelece que a lei disporá sobre normas de construção
dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de
veículos de transporte coletivo, no escopo de assegurar acessos
adequados aos portadores de deficiência.
No que diz respeito à
assistência social, o ordenamento constitucional em vigor também
garante aos deficientes algumas prerrogativas que visam facilitar seu
convívio na sociedade e proporcionar-lhes mais comodidades. O art.
203, IV, determina como objetivo da assistência social a habilitação
e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a
promoção de sua integração à vida comunitária. O inciso V do
mencionado art. 203 prevê a garantia de um salário mínimo de
benefício mensal à pessoa portadora de deficiência que não tiver
meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família, na forma da lei.
Seguindo as diretrizes da
Constituição da República, a Carta mineira contém um complexo de
disposições voltadas para a proteção dos deficientes. Assim, o §
1º do art. 224 da mencionada Carta política enumera um conjunto de
deveres do poder público que visem à integração social do
portador de deficiência, entre os quais se destacam os seguintes:
celebrar convênio com entidade profissionalizante sem fins
econômicos, com vistas à preparação para o trabalho; estimular a
empresa, por meio da adoção de mecanismos que visem absorver a mão
de obra de portador de deficiência; criar centros
profissionalizantes para treinamento, habilitação e reabilitação
profissional do deficiente, e assegurar a integração entre saúde,
educação e trabalho; e promover a participação das entidades
representativas do segmento na formulação da política de
atendimento ao portador de deficiência e no controle das ações
desenvolvidas, em todos os níveis, pelos órgãos encarregados da
política de proteção ao portador de deficiência.
No plano
infraconstitucional, existem diversas leis preordenadas à integração
social dos portadores de deficiência, as quais visam dar densidade
normativa aos dispositivos constitucionais. A título de
exemplificação, no âmbito federal vige a Lei nº 8.899, de 1994,
que concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no
sistema de transporte coletivo interestadual. Aqui, cabe ressaltar
que essa lei foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
2.649-DF, a qual foi julgada improcedente pelo Supremo Tribunal
Federal, nos termos do voto vencedor da Ministra Carmen Lúcia,
relatora do processo. Nesse julgamento, o Tribunal manteve a
constitucionalidade da lei em questão e sustentou, entre outros
argumentos, o seguinte ponto de vista, conforme consta na ementa do
acórdão:
“4 - A Lei nº 8.899/94
é parte das políticas públicas para inserir os portadores de
necessidades especiais na sociedade e objetiva a igualdade de
oportunidades e a humanização das relações sociais, em
cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade da
pessoa humana, o que se concretiza pela definição de meios para que
eles sejam alcançados.
5 - Ação Direta de
Inconstitucionalidade julgada improcedente”.
Ao proferir seu voto, a
relatora fez alusão a diversos diplomas normativos que buscam a
plena interação do portador de carências especiais com a família,
a escola, a vida em seu ambiente de trabalho e em todas as atividades
da comunidade, tais como a reserva de vagas para deficientes nos
estacionamentos públicos, a isenção do IPI para a aquisição de
veículos, a prioridade no atendimento em órgãos públicos e
particulares e as medidas que asseguram o acesso físico desses
indivíduos nos equipamentos públicos e espaços particulares.
No que pertine a eventual
desrespeito ao equilíbrio financeiro do contrato, a mencionada
Ministra alegou que tal fato não conduz à inconstitucionalidade da
Lei nº 8.899. “Se sobrevier desequilíbrio da equação
econômico-financeira do contrato a matéria será objeto de
ilegalidade, a se provar em caso específico, nada tendo a prevalecer
em relação à validade ou invalidade constitucional da lei em
pauta”.
No âmbito do Estado de
Minas Gerais, podem-se mencionar as seguintes normas: Lei nº 13.465,
de 2000, que estabelece o conceito de pessoa portadora de deficiência
para fins de concessão de benefícios pelo Estado; Lei nº 13.799,
de 2000, que dispõe sobre a política estadual dos direitos da
pessoa portadora de deficiência e cria o Conselho Estadual de Defesa
dos Direitos do Portador de Deficiência; e a Lei nº 17.785, de
2008, a qual estabelece diretrizes para facilitar o acesso da pessoa
portadora de deficiência ou com dificuldade de locomoção aos
espaços de uso público no Estado.
Verifica-se, pois, que o
objetivo por excelência da proposição em análise é proporcionar
a integração social dos portadores de deficiência, por meio da
isenção de pagamento do pedágio, o que proporcionaria mais
comodidade a esse segmento, além de servir de estímulo a futuros
deslocamentos pelo interior do Estado. O benefício que se pretende
instituir aos deficientes é uma forma de compensar as dificuldades
de locomoção que lhe são inerentes, já que não desfrutam das
mesmas habilidades das pessoas sem deficiência. Nesse ponto, é
irrelevante a condição financeira do deficiente, que, mesmo gozando
de uma situação confortável economicamente, não se encontra no
mesmo pé de igualdade dos não deficientes, em relação aos quais
não existem barreiras que comprometem seus deslocamentos. Nessa
linha de raciocínio, parece-nos claro que a finalidade do projeto é
dar densidade normativa às diretrizes constitucionais que protegem
os portadores de deficiência, pois os direitos constitucionalmente
assegurados devem ser efetivados pelo poder público no contexto de
sua aplicabilidade, garantindo, com isso, a eficácia social do
Direito, especialmente das normas constitucionais.
Se a citada lei federal
que concede passe livre aos deficientes no transporte coletivo
interestadual foi declarada constitucional pelo STF, sob a alegação
de integração social dos deficientes, por que razão a lei que
concede isenção de pedágio não o seria? A essência de ambas as
matérias é a mesma, qual seja a proteção efetiva dos deficientes,
ainda que se trate de institutos jurídicos diferentes. Dessa forma,
para os efeitos da integração social das pessoas com deficiência,
pouco importa o instituto utilizado pelo poder público, contanto que
este tenha suporte no ordenamento constitucional. Assim, os mesmos
argumentos utilizados pelo Supremo para constatar a
constitucionalidade da Lei Federal nº 8.899 podem ser utilizados
para comprovar a constitucionalidade do projeto em questão.
O que não se admite, em
face do ordenamento constitucional, é o estabelecimento de
privilégios concedidos apenas em razão da origem, classe social,
profissão, raça ou credo do cidadão, uma vez que tais benefícios
não se coadunam com os princípios da igualdade e da razoabilidade,
conforme vem decidindo o STF (ADI 1.655, rel. Min. Maurício Corrêa,
“DJ” de 2/4/2004; RE 236.881, rel. Min. Maurício Corrêa,
Segunda Turma, “DJ” de 26/4/2002, RTJ 136/444-445, e RDA 55/114).
A jurisprudência brasileira repudia todo tipo de tratamento
privilegiado que não tenha amparo nos princípios constitucionais,
deixando claro que os benefícios instituídos em proveito de
determinado segmento social devem pautar-se por critérios aceitáveis
que justifiquem a concessão dos privilégios. No caso específico
dos deficientes, a norma exonerativa estadual, longe de instituir
privilégio para essa categoria, objetiva facilitar sua locomoção
no território do Estado, o que, em última análise, concorre para a
interação social das pessoas que padecem de deficiência física.
Não obstante essa
iniciativa parlamentar ter fundamento na jurisprudência atual do
STF, o art. 2º do projeto prevê a regulamentação ulterior da lei
pelo Executivo para estabelecer a fonte de custeio e a forma de
fiscalização nos postos de cobrança de pedágio. Ora, a
competência regulamentar do Executivo tem fundamento direto no art.
90, VII, da Carta mineira, no escopo de propiciar sua fiel execução.
Toda norma de cunho administrativo é passível de regulamentação
pelo Governador do Estado, independentemente de previsão explícita
no texto da lei. Isso porque o Executivo, sempre que entender
necessário, poderá valer-se de decretos e regulamentos para
estabelecer providências administrativas, mediante o detalhamento de
suas disposições, no propósito de assegurar a aplicação uniforme
da lei e garantir sua eficácia. Assim, entendemos que tal comando
deve ser excluído do projeto por não ter conteúdo inovador e por
se tratar de reprodução desnecessária de preceito constitucional.
Além disso, a indicação
da fonte de custeio só é devida quando o assunto envolver gasto do
poder público, caso em que a despesa deverá constar na lei
orçamentária, pois a Constituição da República, no art. 167, I,
veda o início de projeto ou programa não incluído na Lei
Orçamentária Anual. No caso em tela, também não se trata de
benefício de assistência social em prol dos deficientes a ponto de
exigir dotação orçamentária, uma vez que não é o Estado que
remunera o concessionário de serviço público, e sim os usuários
do serviço. Portanto, se houver desequilíbrio financeiro, o que nos
parece difícil de ocorrer em face do contingente reduzido de
deficientes proprietários de veículos automotores, a medida
adequada seria a majoração do valor do pedágio.
Saliente-se que vigora no
Estado do Espírito Santo a Lei n° 7.436, de 2002, que isenta do
pagamento do pedágio os veículos automotores das pessoas portadoras
de deficiência naquele Estado. Embora a norma tenha sido questionada
no Supremo Tribunal Federal, por meio da ADI nº 3.816, a
Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela
constitucionalidade da mencionada norma, que ainda não foi apreciada
pelo mencionado órgão jurisdicional.
Finalmente, para corrigir
os equívocos de natureza constitucional e outros de redação
legislativa, apresentamos o Substitutivo nº 1.
CONCLUSÃO
Em face do exposto,
concluímos pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do
Projeto de Lei nº 3.356/2012 na forma do Substitutivo nº 1.
SUBSTITUTIVO
Nº 1
Isenta do pagamento de
pedágio nas rodovias estaduais os veículos automotores de
propriedade de pessoas com deficiência física.
A Assembleia Legislativa
do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Ficam
isentos do pagamento do pedágio nas rodovias estaduais os veículos
automotores de propriedade das pessoas com deficiência.
Parágrafo único – A
isenção de que trata o “caput” deste artigo aplica-se
exclusivamente a veículos automotores legalmente adaptados e
conduzidos por deficientes físicos.
Art. 2º – Cabe ao
Poder Executivo emitir o documento comprobatório da isenção, após
a solicitação do interessado.
Art. 3º – Esta lei
entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Comissões, 6 de
novembro de 2012.
Sebastião Costa,
Presidente - Luiz Henrique, relator - Bruno Siqueira - Glaycon
Franco.