A Comissão de Direitos Humanos, Sociais e do Consumidor da Câmara de Uberlândia realizou audiência pública para discutir problemas relacionados ao tratamento de pessoas encarceradas em Uberlândia nas unidades da Penitenciária Professor João Pimenta da Veiga e da Colônia Penal Jacy de Assis. A discussão se deu com base no relatório elaborado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) em 2022, após visitas às unidades carcerárias do estado de Minas Gerais, sendo Uberlândia a primeira cidade a ser vistoriada devido ao número de casos de irregularidades no tratamento aos presos denunciados ao MNPCT, de acordo com a coordenadora e perita do MNPCT, Carolina Lemos.
A audiência foi presidida pela vereadora Liza Prado (Patriota), presidente da Comissão e contou com a participação de diversos representantes da área de direitos humanos do estado e do país e advogados da área criminal, além de um plenário cheio de familiares e amigos de pessoas privadas de liberdade. A discussão foi acompanhada pela vereadora Thais Andrade (PV), relatora da Comissão, Amanda Gondim (PDT), membro, Cláudia Guerra (PDT), suplente, e dos vereadores Gilberto Rezende (Patriota), Sérvio Túlio (União Brasil) e Murilo Ferreira (Rede).
Andrade lembrou que a Comissão já esteve reunida com advogados e familiares de presos, os quais apresentaram demandas que tiveram andamento com vistas à solução das queixas e denúncias. Gondim disse que se solidariza com a luta dos familiares e amigos das pessoas encarceradas e se colocou à disposição do público presente na audiência. Guerra se dispôs a estar presente nos debates que se seguirem sobre o tema de hoje e falou sobre o trabalho que realizou no sistema prisional de Uberlândia, especialmente para atender mulheres e pessoas LGBTQIA+. Ferreira lembrou que os problemas que envolvem pessoas encarceradas são recorrentes e disse esperar por políticas de resultado que prezem pela dignidade humana, uma vez que “ser familiar de preso e lutar pela garantia constitucional de cada um não é crime”. Sérvio Túlio lembrou um trabalho de ressociabilização de presos que ele realiza há seis anos dentro de um projeto religioso, o qual tem resultado em pessoas reinseridas na sociedade e mostrado “que vidas importam”. Rezende, como líder religioso de religião africana, defendeu o direito à liberdade religiosa dentro dos presídios e lembrou que foi a primeira pessoa a instalar banheiros nas portas dos presídios para atender as famílias de encarcerados que aguardam abertura das unidades para visitas.
A coordenadora e perita titular do Mecanismo Nacional de Combate à Tortura, Carolina Lemos, participou da audiência via vídeo conferência e relatou casos de irregularidades registrados após inspeção tanto no presidio quanto na colônia penal de Uberlândia. Segundo ela, o grupo de trabalho encontrou um “cenário muito dramático” nas unidades, uma vez que a determinação legal, de tratamento com vistas à ressocialização dos presos, não foi verificado na cidade. Os percentuais relativos à participação da população carcerária em atividades de educação e trabalho foram muito baixos, de 6,5% e 6,8% respectivamente, lamentando o fato de não corresponderem nem ao menos 10% do total das pessoas privadas de liberdade, atividades essas que levam à redução da pena . Outro ponto levantando foi a baixa qualidade da alimentação oferecida aos presos, com muita quantidade de arroz e pouca proteína e legumes, resultando em baixo valor nutritivo e enfraquecimento dos apenados. A dificuldade de acesso à água para consume e higienização também foram pontos levantados pela perita.
Camila Santana, também perita titular, apontou situações e práticas similares encontradas tanto no presídio Pimenta da Veiga quanto na Colônia Jacy de Assis. Uma delas foi o desvio de função por parte dos servidores do Grupo de Intervenção Rápido (Gir), que ao invés de atuarem na administração de crises originárias nas unidades prisionais, estariam exercendo atividades cotidianas. Além disso, questões de infraestrutura, como a localização da sede do Gir no lado externo dos presídios bem como a construção dessa sede por parte dos agentes policiais são situações irregularidades encontradas nas unidades. O uso de armas pesadas, vedação dos espaços de ventilação nas selas e alas escuras foram casos registrados e que configuram violações dos direitos humanos, segundo Santana.
A deputada Andréia de Jesus (PT) falou sobre a atuação que teve à frente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e disse que Minas Gerais é o estado campeão em crimes de tortura e acusou o governo estadual e a secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de omissão. Segundo a parlamentar, os casos de tortura aumentaram com a pandemia e ela disse ser necessário dar visibilidade a esses casos e mudar o cenário no estado de Minas.
Também falou na audiência o presidente do Conselho Estadual de Defesa de Direitos Humanos, Robson Sávio Souza, que reiterou a necessidade de se resolver “uma série de situações nas unidades prisionais de Uberlândia”, se referindo a “precariedade” de atendimento médico para os internos, a falta de kits de insumos básicos e problemas com equipamentos de scanner corporal, o que leva a direção penitenciária a suspender as visitas. Segundo ele, o Estado deve proceder com um “plano B”, no momento em que os equipamentos de scanner falharem no momento das visitas.
O chefe da Assessoria de Participação Social e Diversidade do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Elizeu Lopes, disse que o Ministério pretende agir de forma “máxima” dentro da compreensão humana, buscando a ressocialização das pessoas encarceradas e por isso a pasta está à disposição dos estados para aperfeiçoar e humanizar o sistema carcerário.
O secretário de Saúde do município, Clauber Lourenço, falou de forma remota, por estar em viagem à Brasília. Ele citou problemas de saúde dentro do sistema prisional de Uberlândia, como casos de tuberculose e infecção intestinal e relatou a ação da prefeitura em instalar o Programa de Saúde da Família na Colônia Pena e na Penitenciária, inserindo o sistema prisional na rede de atendimento à saúde pública. Além disso, disse que os PSF das unidades prisionais do município contam com prontuário eletrônico que acompanhará os atendidos mesmo após o retorno ao convívio com a sociedade.
Geandra Roberta Dias, familiar de preso e representante do Desencarcera Minas de Uberlândia exigiu o cumprimento do código de execução penal o qual disse estar “assassinado à queima roupa pelo sistema prisional de Uberlândia”. Ela disse que é necessário fazer reciclagem em todo sistema prisional da cidade e colocar profissionais competentes para atuarem nos presídios. Atuante na causa das pessoas encarceradas, Dias disse ainda que existem várias recomendações judiciais em aberto que não estão sendo cumpridas pelas unidades prisionais do município, alegando que “fome é crime, deixar preso em ala escura, é crime, bem como impedir que a família tenha acesso ao preso”.
Fonte: Departamento de Comunicação (Emiliza Didier)