terça-feira, 20 de outubro de 2015

PRESIDENTA? EU TAMBÉM!

Oi Liza, "eterna vereadora", como se dizia em nossa época. Se diz ainda? Pois é, vc merece essa denominação, pois sempre se pôs, valentemente,  na defesa dos reais interesses populares. Razão pela qual é tão querida pelas pessoas...  
Escute: no cartão que vc gentilmente me ofereceu, chamou-me a atenção este detalhe: LP - Presidenta. PresidentA? Meus parabéns, menina! Vc está legal e ortograficamente correta, viu! Tendo tempo, dê uma olhadinha no breve artigo que ora lhe envio. Foi, a pedido de amigos, publicado no "Correio" aqui da cidade. 
Espero que goste.
Forte abraço e parabéns pelo belo trabalho que continua realizando.
Carlos Jorge – professor

PRESIDENTA? EU TAMBÉM!

Língua não é ciência. É convenção. Dia desses,  jovens estudantes perguntaram-me se existia “preposta”, feminino de preposto (representante). Respondi que sim. Perguntaram-me também se existia “oficiala”, feminino de oficial. Respondi que sim. E “presidenta”, feminino de presidente, perguntaram-me com um discreto toque de estranheza  na voz.  Uma vez mais, a resposta foi afirmativa. Por quê?
Por vários motivos. Dentre outros:
1.      Porque os dicionários “Aurélio” (5ª. edição/2010, Editora Positivo, pág. 1.704), “Houaiss” (1ª. edição/2001, Editora Objetiva, pág. 2.292) e  “Sacconi” (1ª. edição/2010, Editora Nova Geração, pág. 1.658) registram as duas formas.

2.      Porque  clássicos como Laudelino Freire, Celso Cunha, Evanildo Bechara, Luís Sacconi, João Ribeiro, Paschoal Cegalla, Cândido de Figueiredo, Mattoso Câmara Jr... também registram as duas formas.

3.      Porque existem outras duplas semelhantes já dicionarizadas e consagradas pelos estudiosos, como elefante/elefanta, infante/infanta, parente/parenta.

      Porque é lei. Ouçamos Cândido de Oliveira (“Nova Nomenclatura Gramatical Brasileira”, 3ª. edição, 1960, págs. 78-79), citado por José Luís de Oliveira, PUC/SP, em seu premiado “Interpretação da NGB”, 1ª edição, l965, págs. 62-63:  “É de lei (grifo nosso), assim para o funcionalismo federal, estadual e municipal, e de acordo com o bom-senso gramatical, que nomes designativos de cargos e funções tenham flexão: uma forma para o masculino, OUTRA (destaque nosso) para o feminino”.  Outra forma! Diferente. Não a mesma... Alguns exemplos: “o acadêmico/a acadêmica, o advogado/a advogada, o bacharel/a bacharela, o bibliotecário/a bibliotecária, o contador/a contadora, o contínuo/a contínua, o embaixador/a embaixadora (função)/a embaixatriz (cônjuge),  o escrivão/a escrivã, o juiz/a juíza, o ministro/a ministra, o oficial/a oficiala, o prefeito/a prefeita, o presidente/a presidenta, o procurador/a procuradora, o professor/a professora,  o serventuário/a serventuária, o tabelião/a tabeliã, o tutor/a tutora, o vereador/a vereadora...”



5.      “É de lei”. Mas que lei é essa, afinal? É a lei federal 2.749, de 1956, do então senador Mozart Lago (1889-1974), “determinando o uso oficial da forma feminina para designar cargos públicos ocupados por mulheres”. Era letra morta “até o país escolher sua primeira mulher à Presidência da República”,  lembra o professor Luiz Costa Pereira Jr., na “Revista Língua”, ano 5, nº 62, dezembro/2010.

6.      Porque mudança de tempo é tempo de mudança, como  sublinha o pessoal de Aparecida.  Neste tempo de luta pela igualdade de gêneros, de direito e de fato, não há lugar para preconceitos e discriminações. Temos de mudar. É imperioso reconhecer: mulheres e homens são iguais. E ponto-final! Sto. Agostinho ensina que a melhor maneira de compreender o outro é colocar-se no lugar dele. Historicamente, e não faz tanto tempo assim, certificados e diplomas de graduação registravam tudo no masculino. Um horror: “Maria Lúcia: engenheiro!”; “Elisa de Oliveira: veterinário!”; Aparecida de Sousa: biólogo!”... Imaginemos o inverso: em vez de dizermos “Promotor Paulo” ou “Contador João”, disséssemos “Promotora Paulo”, “Contadora João”? Seria chamar pra briga, não? Então... (A Lei 12.605/2012 deu um basta a esse desatino, obrigando “flexão de gênero correspondente ao sexo da pessoa diplomada”).

7.      Porque o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), da Academia Brasileira de Letras (5ª. Edição/2009, Editora Global, pág. 674) registra presidentA/presidentE. A Academia Brasileira de Letras (ABL) é uma espécie de Supremo Tribunal Federal (STF) em matéria de língua. Falou, tá falado...

8.      Porque esse fato da língua  “é uma novidade muito antiga”, como brinca o ex-ministro do STF Carlos Velloso, acerca da “Lei de Arbitragem” (método extrajudicial de solução de conflitos). O “Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, por exemplo, do professor, advogado e filólogo português Cândido de Oliveira já registrava, em 1899, a forma “presidenta”.

9.      Porque palavras são coisa séria. Têm valor em si mesmas. São instrumentos de mudança ou de estagnação. Podem despertar ou adormecer consciências, libertar ou escravizar. Não são meros sinais gráficos ou puras representações fonéticas. Mons. Arduini observa que as palavras possuem densidade própria, carregam vida, têm espírito. Heidegger sustenta que as palavras são a morada dos seres. Por isso, não são “inocentes”. Têm tudo a ver com ideologia, com política, com sociedade, com educação, com justiça, com gênero... A língua integra a identidade de um povo.

       Porque, por honestidade intelectual, cumpre-me dizer que a mídia, especialmente a grande mídia, por serem corretas ambas as formas, presidentA/presidentE, tem utilizado, preferencialmente, a segunda. Mas ela chega lá. Na contramão da fina ironia de Millôr (“Água mole em pedra dura tanto bate até que a água desiste!”), creio que, com o tempo, ela cederá, e o bom-senso prevalecerá...

      Porque, finalmente, como assegura o jornalista Ivan Santos (“Correio”, 14/01/2015):  “Sigo os mestres”. Eu também!

Carlos Jorge – professor

(Jornal CORREIO de Uberlândia, 29 de janeiro de 2015)

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