Oi Liza, "eterna vereadora", como se dizia em nossa época. Se diz
ainda? Pois é, vc merece essa denominação, pois sempre se pôs, valentemente,
na defesa dos reais interesses populares. Razão pela qual é tão querida
pelas pessoas...
Escute: no cartão que vc gentilmente me ofereceu, chamou-me a atenção
este detalhe: LP - Presidenta. PresidentA? Meus parabéns, menina! Vc está legal
e ortograficamente correta, viu! Tendo tempo, dê uma olhadinha no breve artigo
que ora lhe envio. Foi, a pedido de amigos, publicado no "Correio"
aqui da cidade.
Espero que goste.
Forte abraço e parabéns pelo belo trabalho que continua realizando.
Carlos Jorge – professor
PRESIDENTA? EU TAMBÉM!
Língua não é ciência. É convenção. Dia desses, jovens estudantes perguntaram-me se existia
“preposta”, feminino de preposto (representante). Respondi que sim.
Perguntaram-me também se existia “oficiala”, feminino de oficial. Respondi que
sim. E “presidenta”, feminino de presidente, perguntaram-me com um discreto
toque de estranheza na voz. Uma vez mais, a resposta foi afirmativa. Por
quê?
Por vários motivos. Dentre outros:
1.
Porque
os dicionários “Aurélio” (5ª. edição/2010,
Editora Positivo, pág. 1.704), “Houaiss”
(1ª. edição/2001, Editora Objetiva, pág. 2.292) e “Sacconi”
(1ª. edição/2010, Editora Nova Geração, pág. 1.658) registram as duas formas.
2.
Porque clássicos como Laudelino Freire, Celso Cunha,
Evanildo Bechara, Luís Sacconi, João Ribeiro, Paschoal Cegalla, Cândido de
Figueiredo, Mattoso Câmara Jr... também registram as duas formas.
3.
Porque
existem outras duplas semelhantes já dicionarizadas e consagradas pelos
estudiosos, como elefante/elefanta, infante/infanta, parente/parenta.
Porque é lei. Ouçamos Cândido de
Oliveira (“Nova Nomenclatura Gramatical Brasileira”, 3ª. edição, 1960, págs.
78-79), citado por José Luís de Oliveira, PUC/SP, em seu premiado
“Interpretação da NGB”, 1ª edição, l965, págs. 62-63: “É de
lei (grifo nosso), assim para o funcionalismo federal, estadual e municipal,
e de acordo com o bom-senso gramatical, que nomes designativos de cargos e
funções tenham flexão: uma forma para o masculino, OUTRA (destaque nosso) para
o feminino”. Outra forma! Diferente. Não
a mesma... Alguns exemplos: “o acadêmico/a acadêmica, o advogado/a advogada, o
bacharel/a bacharela, o bibliotecário/a bibliotecária, o contador/a contadora,
o contínuo/a contínua, o embaixador/a embaixadora (função)/a embaixatriz
(cônjuge), o escrivão/a escrivã, o
juiz/a juíza, o ministro/a ministra, o oficial/a oficiala, o prefeito/a prefeita,
o presidente/a presidenta, o procurador/a procuradora, o professor/a professora,
o serventuário/a serventuária, o
tabelião/a tabeliã, o tutor/a tutora, o vereador/a vereadora...”
5.
“É
de lei”. Mas que lei é essa, afinal? É a lei federal 2.749, de 1956, do então
senador Mozart Lago (1889-1974), “determinando o uso oficial da forma feminina
para designar cargos públicos ocupados por mulheres”. Era letra morta “até o
país escolher sua primeira mulher à Presidência da República”, lembra o professor Luiz Costa Pereira Jr., na
“Revista Língua”, ano 5, nº 62, dezembro/2010.
6.
Porque
mudança de tempo é tempo de mudança, como
sublinha o pessoal de Aparecida. Neste tempo de luta pela igualdade de gêneros,
de direito e de fato, não há lugar para preconceitos e discriminações. Temos de
mudar. É imperioso reconhecer: mulheres e homens são iguais. E ponto-final! Sto.
Agostinho ensina que a melhor maneira de compreender o outro é colocar-se no lugar
dele. Historicamente, e não faz tanto tempo assim, certificados e diplomas de
graduação registravam tudo no masculino. Um horror: “Maria Lúcia: engenheiro!”;
“Elisa de Oliveira: veterinário!”; Aparecida de Sousa: biólogo!”... Imaginemos
o inverso: em vez de dizermos “Promotor Paulo” ou “Contador João”, disséssemos
“Promotora Paulo”, “Contadora João”? Seria chamar pra briga, não? Então... (A
Lei 12.605/2012 deu um basta a esse desatino, obrigando “flexão de gênero
correspondente ao sexo da pessoa diplomada”).
7. Porque o Vocabulário Ortográfico da
Língua Portuguesa (VOLP), da Academia Brasileira de Letras (5ª. Edição/2009,
Editora Global, pág. 674) registra presidentA/presidentE. A Academia Brasileira
de Letras (ABL) é uma espécie de Supremo Tribunal Federal (STF) em matéria de
língua. Falou, tá falado...
8.
Porque
esse fato da língua “é uma novidade
muito antiga”, como brinca o ex-ministro do STF Carlos Velloso, acerca da “Lei
de Arbitragem” (método extrajudicial de solução de conflitos). O “Novo
Dicionário da Língua Portuguesa”, por exemplo, do professor, advogado e filólogo
português Cândido de Oliveira já registrava, em 1899, a forma “presidenta”.
9.
Porque
palavras são coisa séria. Têm valor em si mesmas. São instrumentos de mudança
ou de estagnação. Podem despertar ou adormecer consciências, libertar ou
escravizar. Não são meros sinais gráficos ou puras representações fonéticas.
Mons. Arduini observa que as palavras possuem densidade própria, carregam vida,
têm espírito. Heidegger sustenta que as palavras são a morada dos seres. Por
isso, não são “inocentes”. Têm tudo a ver com ideologia, com política, com
sociedade, com educação, com justiça, com gênero... A língua integra a
identidade de um povo.
Porque, por honestidade intelectual,
cumpre-me dizer que a mídia, especialmente a grande mídia, por serem corretas
ambas as formas, presidentA/presidentE, tem utilizado, preferencialmente, a
segunda. Mas ela chega lá. Na contramão da fina ironia de Millôr (“Água mole em
pedra dura tanto bate até que a água desiste!”),
creio que, com o tempo, ela cederá, e o bom-senso prevalecerá...
Porque, finalmente, como assegura o
jornalista Ivan Santos (“Correio”, 14/01/2015): “Sigo os mestres”. Eu também!
Carlos Jorge – professor
(Jornal
CORREIO de Uberlândia, 29 de janeiro de 2015)